Duas notícias, dois contrastes, dois países. Um repórter da Globo estava cobrindo o desastre do morro do Baú. Para quem ainda não sabe, o morro do Baú ficava no município de Ilhota, em Santa Catarina. Ficava, não fica mais. Simplesmente desapareceu com as enxurradas do final de novembro, que arrastaram para o oceano suas árvores, suas terras, suas pedras e tudo o mais que faziam do Baú um morro como todos os demais. A natureza, que levou milhões de anos para construí-lo, aplainou-o em minutos.
Mas, como eu ia contando, um repórter da Globo estava naquilo que um dia fora o morro. Entrevistava um capitão do exército em roupas camufladas, que lhe relatava um episódio comovente. Poucas horas antes, um velho morador do morro do Baú, um senhor de 80 anos, havia implorado ao capitão que o deixasse retornar ao que um dia havia sido sua casa. O velho homem não queria vasculhar os escombros em busca dos seus pertences. Não queria resgatar nada que pudesse lembrá-lo da mansa vida que levava. Pretendia tão somente procurar um carnê. Isto mesmo, um prosaico carnê, com as prestações de uma motocicleta que havia dado ao seu neto.
O capitão, apesar dos riscos envolvidos, acedeu e levou o velho homem de volta ao morro. De volta ao que um dia se pareceu com uma casa. Sua casa. O velho entrou debaixo de um monte de madeiras e de telhas e saiu de lá com um sorriso no rosto: encontrara o seu carnê! Quanto à motocicleta, bem, esta descera com a enxurrada, como todo o resto. Agora não importava mais, o carnê era só do que o velho precisava para não ficar com o seu nome sujo na praça. Isto mesmo. Ele não queria conspurcar seu bom e honrado nome deixando de pagar uma dívida, mesmo que o bem que a representava não existisse mais.
O capitão relatou o episódio ao repórter com a voz embargada. Ele, um experiente militar, que já deve ter participado de calamidades ou perigos tão ou mais indescritíveis do que este. Confesso que também fiquei emocionado. E pensei: que país é este, que me faz ficar emocionado com algo tão banal como a demonstração de uma atitude honesta? Há algo de podre e de fundamentalmente errado em uma sociedade que se impressiona com a honestidade.
Logo em seguida pude entender o motivo da minha emoção com a história do velho homem e do seu carnê. O âncora do telejornal anunciou que a Comissão de Ética (sic) da Câmara dos Deputados acabara de absolver o deputado Paulinho das acusações de malversação de dinheiro público. Por um estrondoso escore de 14 votos a 4, suas excelências, assim mesmo, com “e” minúsculo, entenderam que todas as provas coligidas pelo Ministério Público eram insuficientes para comprovar a má conduta do deputado sindicalista.
Enxuguei as lágrimas e voltei à realidade. Este é mesmo o meu país, não resta a menor dúvida.
Mas, como eu ia contando, um repórter da Globo estava naquilo que um dia fora o morro. Entrevistava um capitão do exército em roupas camufladas, que lhe relatava um episódio comovente. Poucas horas antes, um velho morador do morro do Baú, um senhor de 80 anos, havia implorado ao capitão que o deixasse retornar ao que um dia havia sido sua casa. O velho homem não queria vasculhar os escombros em busca dos seus pertences. Não queria resgatar nada que pudesse lembrá-lo da mansa vida que levava. Pretendia tão somente procurar um carnê. Isto mesmo, um prosaico carnê, com as prestações de uma motocicleta que havia dado ao seu neto.
O capitão, apesar dos riscos envolvidos, acedeu e levou o velho homem de volta ao morro. De volta ao que um dia se pareceu com uma casa. Sua casa. O velho entrou debaixo de um monte de madeiras e de telhas e saiu de lá com um sorriso no rosto: encontrara o seu carnê! Quanto à motocicleta, bem, esta descera com a enxurrada, como todo o resto. Agora não importava mais, o carnê era só do que o velho precisava para não ficar com o seu nome sujo na praça. Isto mesmo. Ele não queria conspurcar seu bom e honrado nome deixando de pagar uma dívida, mesmo que o bem que a representava não existisse mais.
O capitão relatou o episódio ao repórter com a voz embargada. Ele, um experiente militar, que já deve ter participado de calamidades ou perigos tão ou mais indescritíveis do que este. Confesso que também fiquei emocionado. E pensei: que país é este, que me faz ficar emocionado com algo tão banal como a demonstração de uma atitude honesta? Há algo de podre e de fundamentalmente errado em uma sociedade que se impressiona com a honestidade.
Logo em seguida pude entender o motivo da minha emoção com a história do velho homem e do seu carnê. O âncora do telejornal anunciou que a Comissão de Ética (sic) da Câmara dos Deputados acabara de absolver o deputado Paulinho das acusações de malversação de dinheiro público. Por um estrondoso escore de 14 votos a 4, suas excelências, assim mesmo, com “e” minúsculo, entenderam que todas as provas coligidas pelo Ministério Público eram insuficientes para comprovar a má conduta do deputado sindicalista.
Enxuguei as lágrimas e voltei à realidade. Este é mesmo o meu país, não resta a menor dúvida.
Claude Pasteur Faria
claudefaria@terra.com.br
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