por Antonio Prada
O avião pousa no aeroporto Santos Dumont. Dirige-se ao terminal, mas o finger, que liga o avião à área de desembarque, não conecta. Quinze minutos e muitas reclamações depois, o piloto diz que se não engatarem o finger, o avião terá de ser rebocado.
Três minutos mais e a comissária de bordo anuncia: "Foi dado um jeitinho", para alívio dos já desesperados passageiros apavorados pelo caos aéreo permanente. A expressão e a situação podem ter sido cunhadas pela coincidência, mas se encaixam perfeitamente no clima que envolve os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro.
Dez dias de competição e muitos quilômetros rodados, percebe-se que o "jeitinho" contamina a cidade e o Pan. Na entrada de VIPs do estádio do Maracanã, em dia de jogo de futebol feminino, engravatados conversam com a segurança e conseguem que dois acompanhantes entrem sem credenciais. "Valeu véio", agradece um deles. "Te devo uma".
No mesmo estádio, o elevador que liga o piso da tribuna de imprensa ao térreo, exclusivo para credenciados, está repleto de bicões. O próprio ascensorista denuncia: "Vocês não poderiam estar aqui. São ordens do chefe". Mas eles seguem no elevador, ironizando. "Esse teu chefe é uma mala".
Na área de entrevistas do Maracanã, chamada de Zona Mista, enquanto jornalistas se espremem para conseguir a declaração de Marta, uma nuvem densa de voluntários (mais de 20) se posiciona à frente da área. Objetivo: tirar fotografias, colher autógrafos e tietar.
Alguns voluntários, aliás, sabem fazer isso muito bem. Preferem ficar perto dos famosos e ver as partidas a orientar ou cumprir as funções pan-americanas. Eles são vistos aos montes em qualquer competição onde esteja o Brasil. Torcendo. Outros vão mais longe. Usam a credencial para ir a outras arenas, também para torcer. "Com jeitinho, sempre dá para entrar", confidencia uma estudante de educação física, que não quer se identificar.
Outros vão mais longe ainda. Vendem o próprio uniforme. O Terra flagrou neste domingo a venda de uma jaqueta de um voluntário por R$ 200 a um turista alemão no calçadão de Copacabana. A organização não confirma, mas muitos voluntários teriam retirado os uniformes de trabalho e desaparecido. Os uniformes já estão à venda nas melhores esquinas da cidade.
Como em outros grandes eventos esportivos, os organizadores do Pan criaram faixas exclusivas para ônibus do Pan (atletas, imprensa etc.) e táxis. A maior faixa, e mais importante, está na Linha Amarela, que liga a Zona Norte à Barra da Tijuca, passando pelas principais arenas e estádios da competição.
O Terra percorreu seis vezes o percurso, ora de ônibus oficial ora de táxi, e detectou que a faixa exclusiva desaparece nos horários de rush, invadida por carros particulares. Presenciou ainda gestos obscenos dos motoristas intrusivos, que a despeito do erro, insistiam em se manter na faixa. Sem aparente vigilância ou controle.
Enquanto isso, no corredor da Zona Sul, centenas de viaturas e policiais guardam a costa carioca. Em uma madrugada, no Aterro do Flamengo, o taxista, ouvindo funk no último, fez questão de frisar: "Não se engane amigo. Refizeram o asfalto aqui, tem polícia por tudo quanto é canto, mas é só aqui. Na rua paralela, não há nada".
O "jeitinho" Pan inclui também, na maioria das vezes, a vaia aos vencedores, quando não os brasileiros, que faz estremecer no túmulo o Barão de Copertain, inspirador dos Jogos Olímpicos modernos, onde o importante não é vencer e sim, competir.
Na platéia da final de vôlei feminino, quando o Brasil foi derrotado por Cuba, havia uma legião de VIPs nas tribunas. Uma minoria ficou para a cerimônia de entrega das medalhas. A maioria saiu à francesa.
O espírito olímpico não é quebrado apenas por VIPs ou pelos torcedores, mas também pelos ídolos de outrora, que neste Pan se travestem de torcedores, esquecendo geralmente o que pregavam quando atletas.
Oscar, do basquete, pula de arena em arena, desferindo adjetivos ofensivos aos adversários sem cerimônia. Popó, do boxe, se irritou com os pedidos para que acompanhasse a uma luta de boxe sentado. "A gente pode tudo. Estamos no Brasil", esbravejou. Todos atingidos pela síndrome de Mutley, o cachorro co-piloto do Dick Vigarista no desenho animado Corrida Maluca. "Medalha, medalha, medalha". Não importa como.
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